A Sereia e a Mulher Trans

14/08/2017

Texto adaptado de Alicia Fernandes

Originalmente postado em: https://www.facebook.com/CaioAlejandro/posts/10208297432586905

Já faz um bom tempo que eu tenho vontade de fazer esse texto porque às vezes sinto um grande vazio quando se trata do debate sobre a simbologia trans. Você já se perguntou por que é tão comum ver meninas trans que são fascinadas por sereias na infância? Você sabia que a sereia é o principal símbolo da mulher trans? Vamos falar um pouco sobre isso hoje.

Quando você é criança e vê aquela mulher linda e encantadora na TV que é uma figura admirada por todos e não precisa de uma vagina pra ser reconhecida por TODOS como "mulher", como um ser feminino, imediatamente você se identifica.

Claro que no momento você não sabe que é por esse motivo, pois a única coisa que o seu consciente vê ali é uma mulher linda y misteriosa, que se conhece muito bem (se empoderar do seu maior dom e utiliza-lo como "arma" também é um sinal de autoconhecimento) e é LIVRE. Ela nada com liberdade pelo oceano e conhece os seus 'Segredos' porque sabe que a ele pertence.

Sabe o momento em que você vê a sereia sentada numa pedra no meio do oceano se penteando e olhando no espelho e você fica quase hipnotizada com aquilo? Pois é, aquilo já é o seu inconsciente tentando te dizer o quão grande é o seu desejo de estar nesse lugar. A maioria de nós tem, desde criança, o grande desejo de olhar no espelho e ver uma mulher linda de cabelos longos.

Seria equivocado da minha parte dizer que muitas de nós tem quase uma obsessão por cabelo grande até certo momento da transição? Creio que não. Ademais, o espelho e o ato de pentear os cabelos (que inclusive acho bom lembrar que é muito comum entre mãe e filha na infância) são duas coisas que geralmente possuem um valor subjetivo muito forte e especial pra maioria de nós. Inclusive o espelho também possui um papel fundamental no processo de maturação do homem trans, mas deixarei isso pro próximo texto.

Sabe aqueles filmes com sereias que sempre tem um momento em que ela deseja mais do que tudo ter pernas e ser uma "garota normal"? Poder andar pela terra com liberdade e viver um romance com um homem da terra? Agora me digam, quantas vezes nós mesmas não já olhamos no espelho e desejamos mais que tudo ser uma "garota normal"? Não ter uma "cauda"? - aqui vou trabalhar com a noção de homem que nos é passada desde a infância, a noção de que só existem homens cis - Por várias vezes nós desejamos isso principalmente pra poder ter um romance com um "homem da terra", mas você no fundo sempre sente como se ele nunca fosse te entender porque são duas realidades tão diferentes que é quase como se ele vivesse na terra e você no mar.

Você sempre se sente um pouco estranha com ele, como se não pudesse ser você mesma 100% do tempo porque afinal de contas ele é "apenas um garoto "normal"". Comparemos isso tudo com a primeira vez que nos apaixonamos por um garoto na nossa infância/adolescência.

Quantos filmes de sereias nós assistimos que possuem sereias crianças ou anciãs? Elas são mulheres que nunca foram meninas. Mulheres que nunca tiveram a oportunidade de envelhecer. Pura coincidência?

Para finalizar, vou falar um pouco do sentimento de pertencimento. À medida que vivemos numa sociedade extremamente cisnormativa, nós nos sentimos cada vez mais perdidas no mundo. O sentimento de pertencer a um lugar assim como a sereia pertence ao mar é simplesmente gigante. A vontade de ter um lugar que você realmente é aceita como é e pode chamar de lar é permanente até o momento do descobrimento de si mesma.

Quando eu posto no meu Facebook a frase "sou a sereia que nada na imensidão de si mesma, que nada cm liberdade pelo oceano e sabe que dele veio e a ele pertence", eu estou falando de autoconhecimento, de pertencimento, de orgulho de ser quem é, de finalmente olhar no reflexo do espelho (ou da água do mar) e se reconhecer, de conhecer suas origens e ser livre, se sentir livre dentro do seu próprio corpo e sua própria alma.

São coisas tão profundas e tão próprias da minha experiência como uma garota trans que no fundo eu duvido muito que uma pessoa cis consiga entender a real complexidade disso.

Félix A. Mecaniotes - Fortaleza, Ce
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