Manifesto por uma Bruxaria Queer inclusiva

19/07/2017

"A magia é uma só, porque se preocupar com algo feito apenas para LGBTs ?" lembro de ouvir esta pergunta quando um amigo propôs a criação de um grupo no facebook de magia que aceitaria apenas LGBTs, parece uma questão pertinente e simples, mas questionemos o status quo e nos perguntemos: quantos feitiços de amor não exibem em suas receitas "para homem conquistar mulher" e vice versa? Procure bidrunes sobre o mesmo tema e verá que a recorrência é a mesma.

Não estou é claro falando apenas da questão da magia de amor, quantos textos existem sobre o poder do sexo e como uma relação saudável faz bem à magia? Quantos destes textos são voltados para a sexualidade LGBT? O único texto que conheço neste sentido chama-se "Sodomia como Realização Espiritual", escrito por Phil Hine e é algo produzido por um escritor de magia do caos, não wicca.

Sim, a magia é uma só, mas cada um de nós a acessa de modo distinto, é quem somos que acessa a magia de sua forma, as chaves pertencem a aqueles que se conhecem e é parte deste conhecimento a sexualidade; ainda mais, ser um LGBT em muitos casos perpassa a questão individual e passa a falar sobre uma comunidade, um nicho social com seus próprios dialetos, gostos, e porque não falar, seu próprio meio de acessar os mistérios?

Parte da importância do sacerdócio está em servir a comunidade. O quanto você, bruxo LGBT, empenha de sua magia para proteger os seus? Onde está o seu senso de comunidade? O quanto nós nos empenhamos para que as leis do nosso pais sejam favoráveis a nós em igualdade com nossos compatriotas heterossexuais? O quanto de nosso tempo dentro da bruxaria é dado a curar as feridas que o patriarcado nos causa, comungando com os deuses e pedindo o auxilio para curar outros?

Como um homem gay, passei uma boa parte da minha vida mágica percebendo uma ausência de modelo. O Deus não é um homem, ele é o sagrado masculino, a Deusa não é uma mulher, ela é o sagrado feminino, mas ainda assim costumamos ver uma expressão da religião heterossexualmente centrada.

E não estou dizendo aqui que devemos mudar os dogmas e colocar dois homens traçando juntos um circulo, mas estou convidando a todos para entender o sagrado feminino e o sagrado masculino dentro de todos nós. (e isso não vale apenas para LGBTs).

Entender o poder de nossa sexualidade, o poder da formação de nossa identidade é antes de tudo empoderar-se, é galgar um poder que advêm da percepção da divindade em nós, pois todos nós somos uma expressão única do todo, do cosmos.

Isso é um convite: que tal da próxima vez em que você traçar um círculo, você não pede aos deuses que lhe mostrem as melhores maneiras de se empoderar magicamente através da sua expressão sexual? (e a energia sexual vai muito além do sexo em si).

Que tal pensarmos em produzir conhecimento que ajude nossos irmãos na magia a entender quem são, a curar-se das feridas, e para proteger nossos tão amados irmãos? Que tal produzirmos magia de forma a diminuir o número de transexuais que são mortos todos os anos, até que os índices cheguem à zero?

Ouvi mais de uma vez que, como gay, eu não deixo de ser homem e, portanto, particípio dos mistérios masculinos, sim, é verdade; mas inegavelmente nestes mesmos círculos me vi forçado a ver constantemente minha vivencia ser colocada como um desvio da expressão masculina, uma página de rodapé, já que a expressão mais comum é a heterossexual, mas não, eu não sou uma nota de rodapé, e está na hora de nós passarmos a produzir uma literatura que fale sobre a questão mágica do homem gay, os mistérios masculinos do homem que gosta de outros homens. Assim também o devem fazer as mulheres.

Está na hora de percebemos que os antigos padrões não são suficientes para entender a uniquidade de nossa sexualidade e de nossa presença no mundo. Não ver isso é apagar-se, ou correr o risco de sermos explicados - como li varias vezes - como uma mera ponte entre os mistérios masculinos e femininos, e não como uma expressão única neste grande mistério que é a vida.

Honre os ancestrais da chama viada, assim como honramos aqueles que queimaram na fogueira, ambos morreram para que hoje você estivesse aqui, para que nós estivéssemos aqui. Honre-os garantindo aos que virão depois de nós que o caminho seja para eles mais fácil do que é para nós.

Isto é um chamado,

Félix A. Mecaniotes,

2017


Félix A. Mecaniotes - Fortaleza, Ce
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