Porque a Viada Chama é também sobre você, Hetero Cis?

07/06/2020

Parece estranho que no mês do orgulho LGBT eu escreva um texto voltado para a população Hetero Cis, mas creio que esse é um momento especial para que eu retome minha fala as origens do Círculo da Viada Chama Púrpura, uma origem que remete a como nós, os LGBTs nos sentimos em espaços que em teoria deviam nos incluir, mas se tornaram espaços de vocês, Heteros Cis.

E a origem da Viada Chama me remete a uma constante desculpa de uma falta de material com o qual círculos de mulheres e de homens pudessem atender essa que era - e continua sendo - uma pequena, mas crescente, parte de seus públicos. Uma tríade de anos se passou e eu me pergunto, qual é a desculpa agora?

Junto a Viada Chama, outros grupos surgiram, como os Círculos de Uanana, assim como tantos outros que já trabalhavam há mais tempo que nós ou vieram a público ou tiveram um aumento de sua visibilidade, como o Sagrado Transviado e o Templo de Antinoo. Junto à iniciativa da Xaoz, do Liber Queer, todos esses grupos, assim como este, tiveram a oportunidade de falar e, principalmente, perceber que não estávamos sozinhos, junto a eles, a Viada Chama também ganhou espaço e visibilidade, junto e graças a todos eles.

Sendo assim, há bastante material disponível. E se todos esses grupos são grupos de apoio a nosso povo, ou pelo menos a segmentos específicos de nosso povo - e esses grupos são de extrema importância - isso não significa que aquele pensamento da Viada Chama de 2017 foi esquecido: nós ainda esperamos que cada vez mais círculos de mulheres e de homens nos incluam em seus trabalhos.

E quando eu digo nos incluam, eu não falo sobre um discurso de "O Sagrado Feminino é muito mais que o útero", o "Sagrado Masculino é muito mais que o falo" que pouco se efetiva na prática.

Nós precisamos de grupos sobre nossas questões, sim, mas não estamos pedindo para sermos isolados; nós somos homens, nós somos mulheres - alguns de nós somos ambos ou nenhum - e incluir nossas pautas em sua visão do sagrado não é importante apenas para nós, não é um favor que nenhum de vocês nos fazem; é antes de tudo aprimorar e aprofundar a visão de vocês sobre seus próprios sagrados.

Incluir nossas vivências em seus círculos é aumentar a percepção de vocês sobre o que é o masculino, sobre o que é o feminino. Enquanto homem gay afeminado, eu quero ver o meu modo de viver o masculino ser querido, ser ouvido, ser amado dentro de seus círculos; não porque eu preciso disso, mas porque, na verdade, vocês precisam disso muito mais do que eu.

Sem compreender a diferença, sem, antes de tudo, amar a diferença, o próprio sistema de empoderamento de vocês torna-se frio e castrador. Quando eu falo sobre o mistério feminino ser muito mais do que o útero, eu não falo apenas da mulher trans cujo falo é também sinônimo de feminilidade, mas também da mulher cis que nunca teve um útero e também se sente a margem.

Ouvir as pessoas a margem, é, no fundo, ouvir partes de vocês que também estão à margem. - não existe alguém livre que esteja 100% dentro do padrão, nós assumimos esse papel para sobreviver. Perceber-nos é, também, perceber a si mesmo.

E entendam, eu não estou falando sobre uma politica de aceitação. Minha fala e a da Viada Chama Púrpura jamais foi - espero que jamais seja - sobre sermos aceitos no mundo, não estamos aqui para nos encaixar, estávamos aqui para mudar e sermos agentes da mudança. Citando, o já muito citado nesse círculo, Deleuze, não é sobre aceitar a diferença, mas sobre deseja-la.

Não estamos aqui para sermos aceitos, não falo de uma inclusão que nos coloca em um cantinho empoeirado de seus círculos e não nos dá voz, quando nos dá, é uma concessão, um favor que nos fazem a contragosto. Não, eu falo sobre desejo, sobre nossas falas e nossas vivencias serem tão queridas e tão desejadas quanto as que constantemente ouvimos por ai.

Não estamos aqui para nos isolar em nossos lugares, nos esconder nas sombras dos não desejados e parcialmente aceitos; estamos aqui para - se quisermos e quando quisermos - partilhar com vocês e deixar que vocês aprendam conosco, e aprender também com vocês.

É aumentar a percepção de seus grupos e também de nossos grupos, do que é ser Mulher, do que é ser Homem, do que ser Viado, pois em cada um de nós, e em vocês, está todo o objetivo desses grupos de sagrado: a cura de si e do mundo.

Para isso, caro Hetero Cis, é preciso mais do que um discurso de aceitação, é preciso um discurso de desejo, de vontade, de abraço.

Isso é um Chamado,

Até para vocês.


Felix A. Mecaniotes, Ano III

Félix A. Mecaniotes - Fortaleza, Ce
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